Mundo Cor-de-rosa
Como é bom viver num mundo tão mágico quanto as histórias que nos liam quando éramos crianças. Como é bom adormecer ao som da ignorância, tão terna quanto as flores que desabrocham neste jardim de ilusões. Como é bom não saber, não ver, não ouvir...
Mas à medida que crescemos estas paredes de escuridão reconfortante parecem desabar. A luz encontra pequenas fendas onde penetra sem piedade, preenchendo os nossos olhos de terror. Os remendos que freneticamente tentamos fazer na parede parecem não resultar. O tecto repleto de sonhos racha sobre a nossa cabeça e vislumbramos um mundo salpicado de cores que não somente o rosa límpido que nos envolvia num véu de segurança. Subitamente, a luz invade o nosso mundo e domina-o quase por completo. Então olhamos. O céu não é tão azul como outrora acreditámos ser, os sorrisos já não são tão ternos como aqueles a que nos habituámos, os olhares de reprovação tornam-se reais. Afinal existe maldade, falsidade, medo, injustiça, inveja... O que é isto? Onde estamos nós? Numa tentativa falhada de fugir à luz, encolhemos o nosso corpo contra as paredes desfeitas e fechamos os olhos. Choramos. Afinal, o desespero existe.
Podemos facilmente perdoar a uma criança que tem medo do escuro, a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz, afirmava Platão.
Voltamos a abrir os olhos. Que assustador. As paredes já apodrecidas desfazem-se em nosso redor, não nos deixando outra alternativa senão caminhar em direção ao exterior. Então saímos. O mundo estende-se, gigantesco, monstruoso, à nossa frente. O corpo treme, as pernas permanecem imóveis. Somos jogados aos leões acreditando que eles são tão meigos quanto o pequeno simba do Rei Leão. Mas não são. Despedaçam a nossa carne em segundos sem qualquer compaixão,imobilizando as nossas ações. Com o olhar dominado pelo medo, só queremos voltar para aquele quarto enfeitado de sonhos e fantasia, onde o mundo parecia um autêntico conto de fadas e vivíamos felizes, ignorantes. Que boa era a ignorância, que não nos feria o coração com a força de uma adaga e a velocidade de uma flecha. Queremos voltar a ser ignorantes. Queremos?
Então forçamos as nossas pernas a reagir uma vez mais. Não há como voltar atrás; se voltarmos, estaremos destinados a viver uma vida de exílio, num quarto de sonhos utópicos subjugado pela verdade crua do mundo.
Enchemos os pulmões de ar. Expiramos.
É chegada a hora decisiva. Os olhos carregados de trevas habituam-se à luz e conseguem avistar todo um horizonte: assustador, arrepiante, tenebroso... de uma beleza sublime, que nenhuma história alguma vez nos conseguiu mostrar. O coração enche-se de coragem e caminhamos por um jardim de rosas mergulhado em espinhos. Estamos vivos. Vamos viver!
Catarina Gil