Boleia

… tinha a mão estendida naquele gesto tão universal de pedir boleia, com um pequeno papel na outra mão a indicar “Algarve”.

Já tinha passado a ponte, do outro lado Lisboa a dizer-me adeus, o desespero aumentava num dia muito quente, talvez mesmo o mais quente daquele verão.

Tinha os meus dezoito anos e o mundo todo pela frente, apesar da desolação de não conseguir transporte para terras do sul, quando, ao meu lado, para um belíssimo descapotável (de cor vermelha, claro). Ao volante, talvez a mais linda mulher que os meus olhos tinham tido a oportunidade de registar. Na casa dos trinta e cinco anos, cabelo ruivo, um rosto sem imperfeições e, talvez, pensei eu, uns magníficos olhos (não interessava a cor) protegidos por óculos de sol (não me recordo da marca, também, diga-se, não me interessava para nada).

entra! – lançou-me.

Nem hesitei, sentei-me de imediato (atirando o saco de viagem para o banco traseiro).

para onde?

como? – respondi naquele jeito meio estúpido de ser e de dizer coisas que podem magoar e ofender  (bem, já estou a divagar).

para onde vais?

ah, vou para Tavira!

Estás com sorte, também vou para esses lados, mas, primeiro, tenho de passar por casa (que ficava em Ourique), para apanhar algumas roupas.

Não sei o que senti naquele momento, medo não foi, talvez receio da minha própria mente.

Vanda e tu?

João, João Carlos (sempre gostei que me chamassem assim).

Alguma conversa de circunstância, alguns irritantessilêncios (da minha parte), chegámos, por fim, a uma bela quinta, daquelas com entrada murada e uma longa reta.

- Entra!

Não precisa (falsa modéstia).

Nem penses, com este calor, entra e vem refrescar-te enquanto preparo algumas das minhas coisas para levar para baixo.

Era de facto uma casa espantosa …

Com uma bebida bem fresca na mão, cirandei com o meu olhar aquela sala bem decorada, com todos aqueles quadros e fotografias – parecia-me ela.

sim, sou eu – sou atriz e modelo – se gostas de fotografia podes ver estes álbuns enquanto vou refrescar-me com um belo duche, não aguento este calor.

Não vou negar que comecei a fantasiar. Percorrendo aquelas páginas com imagens dela, senti, confesso, uma grande atração – e não digo só física (seria?).

Passados alguns minutos, não muitos, aparece de robe, ainda com o cabelo molhado e senta-se ao meu lado a servir de guia por aquelas magníficas peliculas.

Estava rendido, estarrecido, já a minha imberbe mente divagava para outras “estórias” com ela. Senti-me levitar (estranha sensação), senti também de repente, um movimento brusco , uma mão a tocar-me por trás, no ombro, com vigor…

… acorda, acorda João, vais chegar tarde à escola.

sim mãe, vou já                                         João Guerreiro



publicado por - fcar - às 23:02 | comentar | favorito