
Após me chocar com a falta de noção que tenho presenciado esporadicamente durante estes últimos meses (provavelmente passo demasiado tempo no Facebook, mas vamos ignorar essa parte), decidi que tinha de dar umas dicas de comportamento em sociedade para aqueles que se esqueceram de como o fazer. Atenção à palavra, dicas - não pretendo dizer a ninguém o que deve ou não fazer. Não me venham cá os tão-badalados defensores da liberdade de expressão bater-me à porta.
Isto é uma mensagem de serviço público para as batatas com rodinhas que gostam de usar a "Liberdade de Expressão" como desculpa para mandarem umas quantas piadas preconceituosas sem quererem lidar com as consequências.
Sim, a liberdade de expressão é um direito. Sim, quer dizer que o governo ou qualquer instituição, empresa ou entidade não vos podem impedir de dizer o que pensam. Mas não quer dizer que nós, pessoas que temos a infelicidade de vos ouvir, tenhamos de levar com a vossa verborreia de bico calado.
Escapa-me como é que alguém encontra lógica em munir-se da sua liberdade de expressão para mandar uma piada, e logo a seguir mandar calar as pessoas que usam a sua mesma liberdade de expressão para dar a sua opinião negativa quanto a ela. Não sei como é que não percebem que a mesma liberdade de expressão que protege o vosso direito de mandar uma piada racista, homofóbica, misógina, ou simplesmente parva, é a mesma liberdade de expressão que me protege quando vos digo "ena, quando eu pensava que a massa fecal era lá em baixo, aqui estás tu para provar que me enganei. Vive-se e aprende-se!"
E desenganem-se: quando alguém dá de ombros e diz "pá, estás no teu direito de mandar as tuas piadas, mas elas promovem a discriminação de uma minoria porque propagam e validam estereótipos nocivos já intrínsecos na nossa sociedade e, assim, têm o potencial de se traduzir em dificuldades sociais reais na vida das pessoas que pertencem a essas minorias", não somos os novos agentes da PIDE a tentar impedir-vos, grandes lutadores de causa nenhuma, de expressarem a vossa sagrada opinião. Quanto mais, são vossos amigos: estão a dar-vos a metafórica pancadinha no ombro, aquele sinal de que só devem prosseguir com o vosso discurso se querem ganhar fama de idiotas sem educação social.
Ah, e para aqueles que gostam de evocar os antepassados nestas situações, e bradar "o 25 de abril não se deu, os nossos antepassados não sofreram, para agora nos quererem proibir de dizer o que pensamos!". Também tenho quase a certeza que eles não foram para a rua enfrentar a ditadura pelo teu direito a mandar uma piada de "gays são isto" e "mulheres são aquilo”, mas isso sou só eu.
E para os que se vedam da opinião de que a comédia não deve ter limites, e de que a sátira é isso mesmo, gozar com todos e mais alguns, para continuarem a exercer a vossa questionável atividade, pois só tenho a dizer: tenho pena.
Tenho pena de que não entendam que a sátira foi criada de forma a questionar organismos de poder de forma a tentar provocar uma mudança no status quo – e não como mecanismo ao serviço dos preconceitos das maiorias para afundar as minorias ainda mais do que já estão.
Tenho pena de que não entendam que sim, mais uma vez, podem fazer o vosso humor “negro” à vontade, agora estão é a ser ridículos se pensam que piadas batidas sobre minorias são inovadoras ou “desafiadoras do politicamente correto” – porque tenho quase a certeza que uma coisa que é repetida por todo o santo portuguesinho na esplanada do café não é propriamente inovadora e assaz corajosa. A diferença entre uma piada desse cariz contada por um comediante de stand up e o Zé da tasca é só o meio – porque o nível de entendimento sociocultural e o objetivo são os mesmos.
Portanto, basicamente é isto: querem mandar as vossas piadas para onde todo um público as ouça, estão no vosso direito. Mas não se queixem quando o público vos mandar dar uma volta ao bilhar grande – porque também estão no direito deles.
Mariana Ramos | a52071