O lado bom da crise económica

Sim, vou falar da crise económica, mas calma, não me vou perder em conceitos
financeiros impercetíveis ao mais comum dos mortais, nem desenrolar o já
conhecido novelo de lamentações tão típico deste tema que nos é familiar
demais. Muito pelo contrário. Acho que está na hora de sair do “estado de
depressão” que parece que o povo português se encontra. É preciso parar com
esta mentalidade derrotista. As pessoas parecem usar a crise como uma
justificação para todos os males, como uma desculpa para não avançar. Hoje
em dia, tudo o que acontece de errado no nosso país vai dar à crise. Basta
vermos as rúbricas Vox Pop dos programas de TV em que, muitas vezes,
independentemente do assunto, as questões do entrevistador que contêm uma
conotação negativa, são respondidas com a já característica afirmação –
«isso é da crise». Chega a ser ridículo, ao ponto que às vezes essa resposta
não tem sequer qualquer nexo ao que foi perguntado. Parece quase uma
resposta automática, como se estivesse gravado nos nossos cérebros num loop
irracional.

Confesso que não percebo muito de economia ou política para além daquilo que
é essencial que saiba, em termos burocráticos, enquanto cidadã. No entanto,
dito isto, e de acordo com a minha forma de estar na vida, acredito que
devemos tirar o melhor partido das piores situações. Há que procurar sempre
o que em inglês chamam de “silver lining”. Nesse sentido, existe uma série
de aspetos positivos que podemos retirar desta época um pouco mais
conturbada em que vivemos. São efeitos a longo prazo, é certo, e dos quais
portanto, só teremos uma maior perceção no futuro, mas cuja resolução
podemos antever. Gosto de pensar, por exemplo, que teremos uma maior
capacidade de gerir a nossa situação financeira pessoal, com um olhar mais
atento e analítico no emprego dos nossos investimentos. Acho que teremos uma
maior perspicácia, do ponto de vista económico, procurando não as soluções
mais imediatas, mas as mais inteligentes. Seremos assim, também,
consumidores menos ingénuos e manipuláveis. Relativamente a questões
políticas, e apesar da minha confessada falta de interesse, noto de uma
forma geral que a nossa geração demonstra, cada vez mais, uma consciência da
importância de estarmos a par das legislações que regem o nosso país, dos
nossos direitos enquanto cidadãos, e até mesmo, um maior envolvimento no
panorama político.

O povo português andou a “tapar o sol com a peneira” tempo de mais, numa
ilusória agradável apatia, menosprezando o efetivo poder daqueles que gerem
o nosso país, dando-lhes a liberdade necessária para cometerem todas as
fraudes e más decisões, cujas incoerências, agora vão surgindo lentamente à
tona. Gostava de ver novamente no povo português, a determinação e a coragem
que em tempos passados lhe conferiu a glória de destemidos descobridores e
não o estereótipo do indivíduo que manifesta num vão palavreado a sua
indignação, sentado no conforto da tasca a beber a sua bica.

Esta é realmente uma fase mais complicada, principalmente para os que
iniciam agora a sua independência, num país em que todos os dias nos jogam à
cara que não temos futuro, mas eu vejo em nós potencial e gosto de acreditar
que a crise económica conferiu à nossa geração ferramentas e aptidões
pessoais que no futuro, por ironia do destino, trabalharão a nosso favor.

Anuska Portela

n.º 44472
publicado por - fcar - às 15:53 | comentar | favorito